quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Um jeito de caracteres.

É uma arbitrariedade, um acinte, uma droga como a gente tem que dar conta das palavras desde cedo, num jeito meio estranho de lidar com um monte de letras entrando nos ouvidos, querendo sair pela boca, e acentos e línguas, sabe.
Ou dá-se um jeito ou dá-se outro, não tem como escapar.
Ainda mais quando a gente escolhe elas pra viver, tipo como eu escolhi.
Umas pessoas não nascem com jeito pra letras; jeito assim digo, de saber juntar e encaixar direito, fazer coisas agradáveis logo, sem piscar, só indo; nem bonitas precisam ser, mas gostosas sim, de se ler e reler, muitas vezes, até decorar. Eu não sei.
Decorar também é trabalhar com palavras, mas demora, é um jeito meio mentiroso. E acho que também nem adianta muito. É como decorar as fórmulas de física pro vestibular. Fiz o meu tem 4 anos e não faço idéia do que seja movimento circular, força centrípeta ou MRU e afins, por exemplo. O Saramago sabe trabalhar com elas, é uma desgraça, um primor. E aposto que ele sabe coisas de física.
Daí, eis o que sem querer, me veio:

"Sei o pulso das palavras, a sirene das palavras. Não
as que se aplaudem do alto dos teatros, mas as que
arrancam os caixões da treva e põem os poemas a
caminhar, quadrúpedes de cedro. Às vezes, as
relegam inauditas, inéditas, mas as palavras galopam
com a cilha tensa. Ressoam os séculos e os trens
rastejam para lamber as mãos calosas da poesia.
Sei o pulso das palavras. Parecem fumaça, pétalas
caídas sobre o calcanhar da dança. Mas o homem,
com os lábios da alma, é apenas carcaça".

Maiakóvski.



E então depois disso, qualquer coisa que escrevesse seria qualquer coisa escrita; assim simples, só com um jeito de caracteres.
E olha que nem sou lá grande fã de poesias.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Qualquer um tá bom.

Imagina um caderno, desse simples, de espiral e folhas brancas. Mas aquelas folhas que têm um picote ao lado sabe, pra destacar uma por uma, se quiser.
Então. Quando a gente arranca uma página dessas, picotadas, a previsão é que elas saiam de uma forma correta, que se destaquem bem no picotado. Às vezes, meio por uma questão de força, ou talvez mesmo sem querer, a folha rasga um pouco onde não deveria. Estraga. Quase sempre no finalzinho, quando a gente pensa que ela já tá praticamente arrancada intacta (se é que é possível arrancar uma coisa - qualquer coisa - de um jeito meio, preservador, digamos).
Então. Agora pega uma folha A4. Branca. Qualquer uma. Rasga. Segura com as duas mãos, separa a folha em duas, bem no meio.
Então. Agora tem duas folhas rasgadas, a picotada e a branca. A desgraça é que a do A4 é bem mais independente; existem milhões de folhas A4 por aí; não que elas não façam diferença, mas rasgou rasgou, pega outra; aproveita essa metade aí pra ti que dessa aqui eu vou fazer um barquinho pra mim.
Então. Uma vez, de um caderno bem de menininha, com desenhos e flores e até cheiro de chocolate, com folhas de picote - e eu gostava dele - quis arrancar uma folha. Aí comecei. E tava indo tudo bem.
No final ela rasgou um cantinho, bem pequeno, bem no fim, mas rasgou.
Aí eu guardei os pedaços. Gostava muito desse caderno.
Então.
Agora não sei o que fazer com eles.