sábado, 17 de janeiro de 2009

Ele só sabe sorrir.

Quando o conheceu, já sabia que era ele. Via-o sempre, às vezes até o seguia. Comentava como era bonito, divertido, educado e cavalheiro, mesmo sem nunca ter trocado uma palavra sequer com o tal.
"Mas ele ri demais!", todos falavam. "Porque é feliz", todos ouviam.
No primeiro encontro, parecia uma sessão de hipnose. Ela falava, ele sorria, ela derretia e ele não falava nada.
Mas por já estar tão convicta de que era ele, ela deixou as controvérsias de lado e mergulhou sem pensar, sem ver, sem medo. E sorrindo.
Depois que saíram da igreja, ele mesmo foi dirigindo o seminovo para o hotel - não havia dinheiro para motorista, nem limusine, e nem mesmo pra nada. No caminho, bateu num outro à frente. Todo mundo desceu, e começou a discussão costumeira de quem-fez-o-que-e-é-você-que-vai-pagar-meu-prejuízo. Diante disso, o mais natural - pelo menos pra ela e para todos aqueles adeptos dos padrões feudais, imperiais e até, percentuais -, era que ele resolvesse a situação e eles continuassem a viagem. Mas não. Ele só sabia sorrir.
"Mas é um sorriso tão lindo", ela pensou. Decidiu resolver sozinha: falou com o cara, ligou pro seguro, acertou as contas do prejuízo e chamou um táxi pro hotel.
Certo dia, apanhou o filho no colégio e o deixou em casa. Minutos depois, a criança ligou e disse "Mamãe, tô com vontade de vomitar", "O seu pai tá em casa?", "Tá", "Então chama ele pra te ajudar filho", "Já chamei mãe", "E cadê ele?", "Tá rindo aqui do meu lado", ... , "A mamãe já tá indo tá?".
Furiosa. "Uma burra, é isso que você é. Cega, estúpida. Tanta gente falou, tanta gente avisou. Que feliz que porra nenhuma. Deve estar com algum fio desencapado, mas deixa que quando eu chegar em casa..."
Chegou, e levou o filho pro hospital. Na volta, chamou o marido pro quarto e disse "Vira de costas, amor?". Sorrindo, ele virou. E ela tirou a bateria.
Depois, quando perguntavam, ela dizia: "Deu certo não, mas é coisa da vida sabe? Acho que ele sorria demais".